Eu ainda hei de escrever sobre Paris (ou então não :P), a minha primeira viagem de avião e a primeira vez que saí de Portugal, mas por agora fiquemo-nos pela terceira expedição para fora deste retângulo à beira-mar plantado.
Desta vez não foi preciso apanhar avião já que o salto foi até aqui ao lado, ao país de nuestros hermanos, para conhecer uma cidade pela qual ansiava desde que frequentei a universidade. Tenho de começar por dizer que sou aquela estudante de arqueologia rara, que pouco se deixava fascinar pela grandes civilizações antigas que não a grega. Claro que tinha curiosidade, e ainda tenho, sobre egípcios por exemplo, mas nunca pensei seriamente em fazer da Egiptologia a minha carreira. E o mesmo se poderia dizer dos romanos… até que me dei de caras com a cerâmica sigillata (nunca pensei que fofinho pudesse descrever cerâmica, mas a sigillata é fofinha *Carla tem noção de que é agora que vai ser internada*) e a espectacularidade dos aquedutos e outras das suas construções. Posto isto, claro que só poderia querer ir a Mérida! E felizmente tive agora essa oportunidade.
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Vista da Alcazába sobre o Guadiana,
com as pontes à direita |
A viagem começou pela tarde, já que ainda tive de ir trabalhar de manhã, e depois do que pareceu uma eternidade lá chegámos, eu e o meu irmão (que tirou todas as fotos que ilustram este
post, porque ele sem dúvida tira
melhores fotos que eu), ao destino. Aproveitámos que os dias ainda são longos, embora chuvosos, para ficar a conhecer um pouco a cidade e tirámos logo uma série de coisas da nossa lista de coisas a ver. Começámos pela Alcazába que tem vestígios de época romana, muçulmana e renascentista, assim como uma vista fenomenal sobre o Guadiana e duas das suas pontes, a romana e a moderna chamada Lusitânia. Seguidamente dirigimo-nos à ponte romana e ficámos pasmados pela quantidade de pessoas que andava pela rua, sobretudo a passear cães. A sério, pudemos constatar que quase toda a gente tem cão, adoram comer pipas, não devem fazer refeições porque estão sempre a petiscar e adoram estar na rua. Pelo menos a Plaza de España estava sempre cheia de gente de todas as idades, sobretudo à noite.
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Templo de Diana |
Continuámos o nosso passeio e pareceu difícil não dar com ruínas em quase todos os cantos. Demos uma vista de olhos ao Templo de Diana, que tal como o nosso devia ser dedicado ao culto imperial, e reaproveitado posteriormente por visigodos e muçulmanos, passámos pelo templo do Fóro e pelo Arco de Trajano, e ainda antes de acabar a noite passámos pela ponte Lusitânia. Uma nota, pareceu-me tudo muito bem conservado e as estátuas em todos os complexos pareceram tratar-se de réplicas, estando as originais no Museo Nacional de Arte Romano (MNAR).
O dia seguinte começou pela fresca, com uma visita ao, pareceu-me, o maior complexo de ruínas da cidade. Falo claro do complexo do Teatro e Anfiteatro e o que mais tinha curiosidade de ver. As expetativas não saíram goradas.
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No Teatro a vista para a plateia |
O Teatro pareceu-me muito bem conservado e achei muito bom ver que ainda hoje é usado no Festival que tem lugar todos os anos. Como não podia deixar de ser, uma das peças que esteve em cena foi do Shakespeare, "
Coriolanus", e tive pena de já não estar em mostra quando fui, estava antes uma zarzuela, "
Luisa Fernanda", que acabou por ser cancelada devido às previsões de chuva. Não tinha comprado bilhetes sobretudo porque pensei que o mano não estava interessado, no entanto, também ele ficou fascinado pelo que numa outra oportunidade contamos voltar para ver uma peça ali representada. A casa do Teatro também está bem conservada, havendo mesmo frescos nas paredes.
O anfiteatro está um pouco pior conservado, não restou tanto da sua plateia, mas mesmo assim impõe respeito, sobretudo tendo em conta que ali lutavam gladiadores e seria um dos pólos que mais atrairia público. Infelizmente a casa do anfiteatro encontrava-se fechada devido a obras para colocação de uma cobertura.
Prosseguimos então para o Circo, o outro pólo aglutinador de maior público (o teatro seria mais para elites e teria demasiada propaganda para o gosto do maior público) e apesar de já não ter as bancadas, deixem que vos diga que a pista é enorme! Cerca de 400 por 115 metro (sim, estou a fazer uso de cábulas) e parece que percorriam a distância em poucos minutos. Estas são obras monumentais e só estando no meio delas é que se percebe o talento daquelas gentes.
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Aqueduto de Los Milagros |
Continuámos então o passeio pela cidade de Mérida, onde parece que não nos podemos virar sem nos depararmos com uma ruína. Passámos pelo aqueduto e termas de San Lázaro, ruínas visigóticas, fomos depois ao Templo de Marte e às criptas da Basílica de Santa Eulália. Dirigimo-nos então ao Aqueduto de los Milagros e à ponte romana aí próxima, seguindo depois para o Castelum Aquae. Esta vossa amiga já estava a ficar de mau humor (porque fome!) e depois de uma pausa para comer qualquer coisa (croquetes de presunto <3 ) lá seguimos para o MNAR.
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Um dos mosaicos expostos no MNAR. |
Já conhecia o museu através de catálogos, dei entrada de muitos deles na biblioteca onde trabalho, mas ainda assim fiquei maravilhada com a quantidade de luz que há no espaço. É fantástico poder olhar para as peças com luz natural e achei que era um espaço bastante acolhedor, apesar do pé alto e do tijolo. As peças, como também não podia deixar de ser, são bastante impressionantes, nomeadamente os panos de mosaicos que ocupam paredes inteiras. Aqui foi então possível ver as estátuas originais, assim como outros vestígios, retirados dos seus locais de proveniência de escavações por toda a cidade, para melhor serem conservadas. A exposição pareceu-me bem conseguida, dando a conhecer os diferentes aspetos da vida de uma cidade romana. E como nem aqui poderia deixar de ser, apesar de ser um edifício novo, com cerca de 25 anos, também nos seus alicerces se encontram ruínas que podem ser visitadas.
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Ligação entre a Casa de Mitreo e Columbários |
Depois do museu voltámos à rua, onde passámos pelas ruínas de outras termas com um poço de neve, por um canal semelhante às levadas que vejo na terra dos meus pais, entrámos também na Casa de Mitreo, muito bem conservada e magnífica (fez-me lembrar quando participei em escavações de uma
villa romana em Frielas) e visitámos também os Columbários, que são como que jazigos. Infelizmente as minhas pernas já não davam para mais pelo que depois de passar pela Praça de Touros, fomos buscar mais uns granizados de limão (em que ia ficando viciada) e sentámo-nos um pouco à beira do Guadiana para descansar. Com as forças recuperadas, fomos visitar mais umas ruínas, onde alguns sectores ainda parecem encontrar-se em escavação. Vimos depois o Augusto, numa rotunda frente à ponte Lusitânia e por fim visitámos o Núcleo Visigótico, que acabou por ser o mais fraquinho de tudo o que vimos.
No domingo, antes do retorno a Lisboa, ainda em Mérida mas já longe do centro da cidade, visitámos o Embalse de Proserpina, uma barragem de época romana que fazia chegar a água a Mérida através do Aqueduto dos Milagros e que é também impressionante. A albufeira é enorme e a água refletia o céu.
Já em Portugal, ainda demos um salto a Évora, onde consegui visitar a Sé! Em duas ou três visitas, que me lembre, a Évora encontrei-a sempre fechada ou não visitável porque estava a decorrer a missa. A vista que se tem de lá do cimo sobre a cidade é fabulosa, no que toca ao interior o claustro é agradável, ainda que não desse para ir para o jardim, e quanto à nave em si, sinto que Notre Dame estragou-me para tudo o que é igreja, mas não deixei de a achar bonita, sobretudo a zona do altar. Tivemos que passar junto ao "nosso" Templo de Diana e aproveitámos também para visitar o Museu de Évora, onde estava exposto um retábulo de que só conhecia partes, algumas por radiografias e isso, já depois de ter sido restaurado e estudado, esse estudo esteve exposto num outro Museu em que tive oportunidade de trabalhar. Depois de almoçar e de mais um breve passeio pelo centro histórico, passando pelo aqueduto, lá rumámos a Lisboa e a casa.
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Rua em Mérida |
Fiquei fascinada pela cidade de Mérida, pela maneira como as ruínas me pareceram bem tratadas, na medida do possível, já que estando tantas estruturas ao ar livre acaba por ser difícil haver um melhor controlo tanto de pessoas como do ambiente, de modo que havia algum lixo e algumas tabuletas de explicações estavam queimadas pelo sol. Mas pelo preço, 12 euros para visitar os maiores complexos, gratuito para muitas outras ruínas espalhadas pela cidade, não se pode pedir mais. Até achei foi uma pechincha! Mas não me ouviram dizer isto. Não sinto que tenho de lá voltar, como sinto com Londres e Paris, mas mesmo assim gostaria de o fazer, nem que fosse só para ver uma peça de teatro a ser representada no palco do Teatro Romano. :)