Autor: Jean M. Auel
Ficção | Género: Ficção Histórica
Editora: Publicações Europa-América | Ano: 1998 (originalmente publicado em 1980) | Formato: livro | Nº de páginas: 528 | Língua: português
Como me veio parar às mãos: Comprei-o! Há 20 anos que só ouvia falar no livro e comprei-o para o oferecer à minha mãe.
Quando e porque peguei nele: 1/jan/2012 a 19/jan/2012. Peguei nele porque já era tempo de o fazer, finalmente adquiri todos os livros e sempre deu para ir riscando alguns dos desafios a que me tinha proposto: Inverno Filhos da Terra, Mount TBR Reading Challenge, Book Bingo - Sugerido por alguém.
Citações:
Sou apenas uma rapariga, Grande Leão das Cavernas, e são-me estranhos os desígnios dos espíritos. Mas creio que agora compreendo um pouco mais. O lince foi um teste ainda mais importante do que Broud. Creb sempre disse que é difícil viver com tótemes poderosos, mas nunca me disse que as dádivas mais importantes que eles dão são dentro de nós próprios. Nunca me disse como uma pessoa se sente quando finalmente compreende. O teste não é apenas uma coisa muito difícil que é preciso fazer, o teste é saber-se que se consegue fazê-lo. Estou grata por me teres escolhido, Grande Leão das Cavernas, e espero ser digna de ti.
Opinião: Será fácil perceber que ouvindo falar do livro vai para 20 anos, as expectativas eram altas, mesmo dando-lhe o desconto de saber que os volumes seguintes não são tão bons. E de facto o livro começa bem. Conhecemos Ayla após sofrer a dura perda da sua família devido a um abalo sísmico. Esse mesmo abalo faz com que um clã de Neanderthais encontre a pequena orfã e resolva adota-la. É-nos permitido então, tal como a Ayla, conhecer e entrar naquela sociedade.
Nota-se que a autora fez um grande trabalho de casa, no que ao viver diz respeito e mesmo à sociedade, mas confesso que o retrato não é bem o que esperava ou tinha em mente. Sempre achei que esta sociedade era um pouco mais igualitária em termos de sexos, pelo que ver a diferenciação de tarefas e sobretudo como as mulheres eram tratadas, com porrada em cima sempre que não atendessem qualquer desejo dos homens, surpreendeu-me um pouco. Até uma curandeira é vista como sendo menos que os caçadores! Entendo que fossem eles que fizessem a caça grossa e que com isso tivessem algum estatuto, mas uma curandeira não deveria ser apenas a mais importante das mulheres, a meu ver estaria ao mesmo estatuto de um feiticeiro, neste caso Mog-Ur, já que até as artes curativas necessitariam de certa magia. No entanto, até é um retrato curioso e a divisão de tarefas entre homens e mulheres até se encontra justificada de forma interessante...
Numa antiguidade mais antiga que a apresentada (passo a redundância), homens e mulheres seriam iguais, no entanto, uma divisão foi necessária para que os cérebros não crescessem mais, já que os Neanderthais teriam uma espécie de memória coletiva. Teriam acesso a memórias forjadas pelos seus pais e avós, mediante a necessidade, para fazer objetos, caçar ou recolher plantas e frutos, ou fazendo uso da magia e de drogas naturais, plantas halocinogénicas e esse tipo de coisa. Confesso que até acredito nisto da memória coletiva, sobretudo tendo em conta os vários mitos criacionistas, ou pelo menos os que conheço e que me parecem muito semelhantes, e ver este tipo de ideia exposto foi um pequeno #win para a minha pessoa. :D
Mas nem tudo é bom. A escrita não me cativou por aí além, apesar de um ou outro parágrafo bem conseguidos, e se gostei da descrição daquele mundo pré-histórico, achei que a autora se alongava por demais. Há partes em que Iza enumera a Ayla todas as plantas úteis para uma ou outra doença e como devem ser tomadas. E apesar de se estender por um ou outro parágrafo, parece que nunca mais acaba. A autora também se repete inúmeras vezes, sobretudo no que toca às diferenças entre Ayla e o resto do clã. Cheguei mesmo a dizer “Ok, já percebi, ela é alta, loira, de olhos azuis e por isso feia, agora continua com a história!” Não achei que fosse necessário bater sempre na mesma tecla, quando podia ter dado mais ênfase há diferença de processamento cognitivo e lógico de ambos os seres. Acabamos por ter bastantes diálogos internos, sendo os de Brun, o chefe do clã, os mais interessantes juntamente com os de Creb, e mostrando que o clã era também capaz de um raciocínio coerente, conseguindo libertar-se das tradições, ou mesmo moldando-as por forma a fazer frente aos novos acontecimentos. Estes processos mentais acabam por ser bem mais interessantes que as deduções lógicas de Ayla, como “então se ele mete aquilo ali e por ali saem bebés, então não são os espíritos que geram bebés mas o sexo”. E realmente, não entenderiam o sexo? O_o
Ayla acaba por aparecer como uma Mary Sue, perfeita em tudo e capaz de tudo e mais alguma coisa. Tem um totem, espírito protetor, poderoso, ela cura, ela caça, ela consegue sobreviver sozinha, ela pensa, ela recorda, ela conta (por acaso até gostei dessa parte :D ), ela faz tudo de forma perfeita. E está claro que se ela é perfeita, há quem não goste de tal, neste caso Broud. A autora tenta passar o confronto entre ambos como um confronto entre espécies, a que sairá vitoriosa e a que se vê ameaçada e prestes a acabar. Isto também poderia ter sido bem aproveitado, não acabasse sempre da mesma forma, com Broud a agredir violentamente Ayla por tudo e por nada. Por ela se atrasar a fazer o que ele lhe mandava, por ela andar com confiança, por ela o olhar, por ela não olhar para ele, por ela lhe ligar, por ela o tratar com indiferença... Isto tornou a história repetitiva e chata de seguir. Deixei mesmo de me importar com a sorte de Ayla nas supostas situações de vida ou morte, pois claramente ela sairia sempre por cima ou com o seu espírito mais iluminado (e também tenho que confessar que algumas das melhores frases são exatamente quando ela se dirige ao seu totem seguindo uma grande revelação).
Também não me pareceu que as personagens atuassem conforme as suas idades. Eu percebo que os tempos eram outros, mas Ayla nunca me pareceu ter 8-11 anos, talvez excetuando no primeiro terço do livro, mesmo quando é descrita fisicamente. E ser-se praticamente idoso aos 20? Tudo bem, são uma raça diferente de pessoa (nem acredito que posso usar isto numa crítica!) e acredito que não vivessem até muito mais que 30/40 anos, mas dizer que aos 20 e alguns anos se seria muito velha para ter um filho (ok, era o primeiro, mas mesmo assim) pareceu-me um pouco demais. O_o
O livro tem um final muito bom. Aliás, o último terço é, a meu ver, o mais interessante de todo o livro. É o culminar de todo o livro e parece-me dar o mote para os que se seguem. Se o livro peca, é por demorar a lá chegar mas chegando lá e muito difícil colocá-lo de lado e não querer pegar no seguinte.
Veredito: Vale o dinheiro gasto. Este livro seria tão bom sem o segundo terço... Tem alguns problemas, nomeadamente no que ao ritmo e a repetições diz respeito, mas parece-me que acaba por valer a pena. Como disse, as expectativas eram altas, depois de ouvir a minha mãe e outros que adoraram o livro e consigo perceber o porquê, e acabaram por não sair goradas mesmo que não me tenha seduzido tanto. A escrita não me conquistou, a história por vezes arrasta-se, mas não deixa de ser um retrato e uma reconstituição interessante de uma época sobre a qual ainda há tanto por descobrir. Fica a curiosidade para ver o que reserva o futuro de Ayla e, porque não, do Cro-Magnon. :)
Há-de seguir-se: O Vale dos Cavalos (A Saga dos Filhos da Terra, #2) de Jean M. Auel
12 comentários:
Hmm... premissa interessante vs Mary Sue?
Quanto à escrita não te esqueças da tradução melher! Europa-América, anos 80! O_O
Eu sei, eu sei... Vou tirar as teimas nos livros que tenho em inglês, mas mesmo assim a constante repetição não me parece ser mal da tradução... :P
Pensa assim, descendes da Mary Sue daí que talvez valha a pena ler aquilo pelo que ela terá passado... :D
Olá,
Nunca tinha ouvido falar de semelhante livro, mas confesso que fiquei intrigada. É fácil encontrá-lo numa livraria ou é daqueles que só se encontra na net?
Boas leituras
Patrícia
Eu só o encontrei na Feira do Livro. Claro está que depois de o ter comprado passei a vê-lo nas Fnacs. Pelo menos na do Colombo.
Olá White!
Eu li os livros há uns 15 anos e gostei especialmente deste e do 2º volume. Depois foi sempre a descer e acabei por nunca ler os volumes finais porque, que saiba, não foram publicados em Portugal.
Mas é curioso algumas das tuas observações, especialmente sobre o que não te convenceu. Deixa-me, contudo, fazer uma observação a uma das tuas observações. A história situa-nos há 25.000 anos, Paleolítico Superior. Auel demonstra ter estudado e pesquisado muito bem e, na altura, a esperança de vida era muito curta, pelo que é credível o facto de com pouco mais de 20 anos já serem considerados idosos. Nota que na Idade Medieval, nomeadamente no século XIII, a a esperança de vida situava-se nos 35 anos e no séc. XIV baixou para os 29 anos, por isso, não estranho que 25.000 anos antes, quando a luta pela sobrevivência se sobrepunha a tudo, o Homem com 10 anos já se comporta-se como um adulto e aos 20 anos já estar à beira da "reforma".
Mas não é só no comportamento. Mesmo a descrição física, sobretudo de Ayla, não me faz pensar numa criança, mas entendo que eram outros tempos e o próprio corpo humano foi mudando com o passar dos anos. Somos agora mais altos, temos menos pelos... Mas não deixou de me incomodar um pouco durante a leitura. :/
Como não me recordo se foi este ou o 2º volume lido há anos (ñ quero ser spoiler ao focar os pontos - já não me recordo se o "salvador" entra nesse...) deixo somente a anotação que odiei-o. Aliás, noção essa que prevalece até hoje. No entanto, deduzo que mesmo na altura em que o li, já não seria um género que me apelasse particularmente.
O mote é o mesmo de muitos, ou seja, cola valores actuais aos antigos, onde apenas o cenário muda.
A par disso, os pontos focados também me fizeram mastigar esta leitura: escrita em círculos, a personagem feminina superior ao ambiente que se insere, a fuga de "emancipação", o personagem bonzinho e honrado que a vê como alguém forte-e-frágil, a tensão sexual.
Recordo-me ainda de nem ter conseguido fazer a ligação com os "outros" tempos.
:)
E já agora, Patrícia, se não o tivesse dado aquando das minhas limpezas de estantes, oferecia-to. :)
Mas de certezinha que as bibliotecas têm: é um "clássico"!
smobile.
Acho que o "salvador" entra no segundo livro. :D
Sim, concordo quando dizes que cola valores actuais aos antigos, onde apenas o cenário muda, e lembro-me de ter comentado com alguém que o livro é quase um meio para propagandear o feminismo da época em que foi escrito. No entanto, acho que as preocupações que Ayla mostra e os seus sentimentos por aqueles que cuidaram dela, são válidos. Não me parece que a mente humana tenha sofrido assim tantas alterações ao longo das épocas, apesar de muito provavelmente nesta época estarem mais preocupados com a sua sobrevivência, e a do clã, do que com os seus sentimentos. Não sei se me faço entender... O_o
"Maizó" menos. :p
PS - tomo a liberdade de deixar uma sugestão de algo que estou a ler e a tripar completamente - "Os homens que matam cabras só com o olhar". Há algum tempo que não lia algo tão esquizofrénico. Mto levezinho.
Fica anotada. :D O nome não me é estranho e é muito sugestivo.
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